Alice | Capitulo 1

Naquela manhã fria, em que os termômetros marcavam a casa dos 5 graus, ela havia acabado de deixar sua casa. Poderia ficar naquele dia até mais tarde na cama, mas seus afazeres e o compromisso inadiável daquele dia, a impediam.
De repente então ela cheia de coragem, sobe pelo elevador, nem uma palavra até que entrasse na sala de reuniões.
A porta se abre e logo ela percebe, que o frio não os impediu de sair da cama, quase quanto ela desejava ficar.
Ela então entra a passos lentos pela sala, caminhando até seu lugar.

Vestia um macacão longo, na cor azul, usava ainda um cachecol de mesma cor no pescoço, para tentar enganar o frio.
A roupa era formal, social para mais um dia de trabalho, embora ela soubesse no fundo, que não estava ali para trabalhar. Não naquele dia pelo menos.

De repente o homem de cabeça branca, sentado na cadeira de honra no centro da sala, de modo a olhar todos os demais presentes, volta seu olhar a ela.
Um olhar penetrante, frio, e ela se sentia naquele instante como alguém acuada, pronta para ser levada ao abate.
A voz do homem sentado ao centro da sala, vestindo seu terno preto, ecoa pelos cantos, não antes de dar uma ajeitada nos óculos.
“Bom dia a todos. Claro que todos sabem por qual motivo estamos aqui, e eu convoquei essa reunião.
Há muito para nos ser explicado, e quero escutar cada uma dessas explicações. Então Alice, por favor, queira começar. Venha aqui a meu lado e nos conte tudo tal como aconteceu, a sua versão dos fatos.”

O convite quase como uma ordem judicial, a fez tremer discretamente. Alice se levantou e caminhou suavemente ao se deixar ser vista por toda sala, enquanto passava com aquele macacão azul, e um cheiro tradicional de um doce porém encantador perfume.
Logo Alice estava ao lado do Presidente daquela sessão, como ele pediu que ela fizesse. E finalmente estava pronta para começar a falar.

“Antes de mais nada quero ressaltar algo que eu venho dizendo desde o começo disso tudo. Não houve qualquer conduta imprópria de minha parte.
Nunca coloquei em risco os interesses do banco, em detrimento do que quer que fosse, ou de quem quer que fosse.
Houve um momento de tensão, que irei explicar, e onde procurarei demonstrar a vocês, cada passo e cada detalhe, daquele dia e dos anteriores e subsequentes.
Não deveria estar aqui sendo julgada, eu deveria estar trabalhando na solução do problema. Mas como querem tanto saber, vamos lá.

Primeiro de tudo precisam saber que dias antes do episódio, eu passei um momento terrível na minha vida pessoal.
Como todos bem sabem, minha irmã Alana, sofreu um grave acidente de carro, e faleceu.
Ela estava triste naquele dia, tinha rompido um relacionamento e queria beber. Eu estava muito cansada e tinha acabado de sair de uma reunião de mais de 6 horas.
Tudo que eu queria era caminhar até meu apartamento, cair na cama, depois de um relaxante banho de banheira.
Mas quando a Alana me convidou pra beber com ela, eu não tive coragem de dizer não, ela já estava lá, provavelmente há algum tempo antes de me ligar.
Cheguei no bar, mas antes saí do banco, fui ao meu apartamento e peguei o carro.
Cheguei lá certa de que não iria ficar alcoolizada, porque tinha que dirigir e trabalhar no dia seguinte.
Foi quando tudo degringolou.

Sempre fui a mais responsável de nós, sempre tirei a Alana das confusões em que se metia, naquele dia, vi que ela já tinha bebido muito.
Tomei apenas uma taça de vinho e a convidei para ir para casa, demorou até que ela aceitasse ir, e enquanto eu pagava a conta, num momento de distração, ela pegou a chave do carro.
Ela disse que estava bem, o bar era perto da casa dela, para mim, nada poderia dar errado.
Deixaria ela em casa, e iria para a minha depois.
Só que Alana insistiu em pegar o volante, eu não queria mas acabei cedendo, e este talvez seja meu único erro.
Os 5 quarteirões que ela dirigiu até sua casa parecia tudo bem, mas de repente eu apaguei.
Sim, eu apaguei, não porque estava bebendo, nem porque dormi, mas me lembro de sentir um impacto forte, e depois acordar horas mais tarde.

Eu já estava no hospital, com médicos ao meu redor, Alana estava morta, e eu ainda tentando entender, como aquilo era possível, o que é que estava acontecendo.
Eu não sabia, não conseguia saber ou imaginar, era tudo muito confuso.

Os agentes chegaram até mim, e me perguntaram quem estava no volante no carro. Eu disse que o carro era meu.
Para mim isso seria suficiente para que entendessem que eu dirigia, queria livrar a memória de minha irmã de qualquer tragédia maior. Mas não dava.

Foi então que eu entendi, que ela bateu no outro carro, depois de cortar a frente do SUV, por estar embriagada. Ela matou Olívia, a mulher, e a bebê, de apenas 2 anos.
Aquilo caiu como uma bomba em mim, e o carro sendo meu, lógico que iam dar um jeito de me por como cúmplice, e de fato, eu era. Nunca deveria ter deixado a Alana dirigir o carro.
Se eu não tivesse deixado, ela estaria aqui. Olivia e sua filha também.”

Alice faz uma pausa, enxuga lágrimas que caem de seu olhar. Agora o homem sentado na cadeira olha a ela fixamente antes de levantar as sobrancelhas para dizer:
“Alice não estamos aqui para falar sobre a culpa que sente na morte de sua irmã, isso já passou, o assunto agora é outro.”
“Eu sei. Vocês nunca me permitiram tocar nesse ponto em casa, eu nunca pude dizer o que aconteceu, ou nunca quiseram me ouvir.
Mas tudo que vem a seguir, na verdade, faz parte desse dia, e foi por esse dia.”

O homem segue em silencio, imóvel, e Alice pronta a prosseguir.
“Eu fui informada no hospital que deveria chamar um advogado, seria indiciada como cooautora no crime, aquele acidente era um crime.

Peguei o celular, liguei para minha advogada que não demorou para chegar. Mas quando ela chegou, a imprensa e a polícia já tinham a historia pronta.
Ninguém quis me ouvir, e eu vi meus pais parados olhando na porta do quarto.
Minha mãe não perguntou como eu estava, ela me disse apenas, você matou sua irmã, arruinou a nossa família.
Que ironia, eu que sempre fiz tudo certo, fui responsável o tempo todo, segui nos negócios da família, estava sendo julgada prontamente.
Não que eu não devesse ser, mas também esperava um pouco de compaixão e não declaração de guerra, da mulher que me pois no mundo.

Depois de ouvir aquilo tudo, ficar ainda mais arrasada, pensava que só queria ser eu no lugar da Alana.
A advogada tentou me convencer que foi uma fatalidade, poderia ter ocorrido com qualquer um, mas não tinha como não pensar diferente.
Foi um misto de sentimentos o que eu senti, e só queria que acabasse logo.
Na saída do hospital, me deparei com um homem jovem talvez minha idade, que não parava de me olhar.

Ele vestia um terno azul, me lembro, tinha um olhar triste.
Era o marido de Olivia, pai da bebê morta. Eu nunca mais ia esquecer aquele rosto, e por mais que quisesse pedir desculpas, eu não consegui.

Saí do hospital, fui a delegacia, prestei depoimento. Vi que de longe, aquele homem acompanhava tudo.
Saí de la com toda certeza de que seria condenada, não apenas indiciada, mas condenada.
Me esquivei de responder perguntas da imprensa, consegui me refugiar na casa de uma amiga, e então, veio a bomba.
No dia seguinte o anuncio de um desfalque que não, eu não fiz. Não sei o motivo de ter ocorrido. E uma passagem comprada em meu nome, para fugir para a Indonésia, onde não há tratado de extradição.
Também outra coisa que eu nunca fiz, nem faria. Eu queria me refugiar não fugir, apenas esperar as coisas se assentarem, não ferrar com tudo de vez.
A prova maior disso, é que eu estou aqui, defendendo meu cargo, dizendo que eu não fiz o que me acusaram. E contando esta história.”

“Alice, sabe muito bem que apenas dizer não é suficiente né? Precisamos de provas.”
E é neste momento que a porta da sala se abre, entra um homem por ela.
Terno preto, cabelos pretos penteados para trás, um óculos de aastes finas.
“Eu tenho as provas de que precisam e que podem provar a inocência de Alice, e se me deixarem, posso as apresentar.”

Todos na sala fazem um olhar mais espantado, mas quem mais estava espantada era a própria Alice.
“Mikael, o que faz aqui?” Pergunta a moça incrédula.
“Meu rapaz, eu não entendo porque insistiu em gastar todo o seu tempo para defender minha filha, ainda mais depois de tudo que ela fez com a sua, e com sua mulher.”
“Senhor Octávio, o que ocorreu com Olivia e nossa pequena foi uma fatalidade. Eu acredito que Alice foi punida o suficiente por ter deixado a irmã dirigir aquele carro. Ela perdeu a irmã naquele dia, quer dor pior que esta, ou condenação maior?
Olivia era uma mulher justa, e apesar de jovem na Magistratura, não cometia injustiças em seu tribunal.
Eu sou um advogado, defensor da verdade, e por isso estou aqui, para se fazer justiça para mostrar o que de fato aconteceu.
Alice não é um monstro, ela é apenas uma vitima de um esquema muito maior.